Emoções perturbadas

Emoções perturbadas

Ele vem até o meu quarto dizendo para mim que não fui sincera e que está farto de minhas omissões. Eu olhei no fundo dos seus olhos, criei toda uma expectativa, ensaiei diversas falas e, em frações de milésimos de segundo, decidi que não valia a pena falar mais nada. Retirei-me daquele quarto e, enquanto saía, acenava com a cabeça negativamente, como forma de mostrar toda a minha indignação naquele momento.

Diferente de outras brigas, dessa vez saí diferente, saí determinada a dar um fim nesse relacionamento que se tornou insuportável. Saí decidida de que isso não aconteceria mais a partir de hoje.

Estava à beira da loucura; pensamentos destrutivos tomavam conta de boa parte do meu tempo. O que eu mais queria, nesse momento, era ficar só, bem longe de tudo e de todos. Depois de pensar por alguns minutos, decidi ir para um hotel. Eu precisava muito de silêncio, precisava ficar longe das pessoas me dizendo a todo tempo o que fazer e como fazer. Preciso urgentemente desse momento só meu, para organizar os meus pensamentos, minha vida e decidir que rumo seguir depois.

Mas quero decidir tudo isso com a cabeça fria, com muito cuidado. Preciso muito ter certeza da escolha que vou fazer, porque essa, para mim, será a escolha mais importante da minha vida. Essa não será só mais uma escolha de relacionamento; é uma escolha onde estou totalmente envolvida emocionalmente. Sinto que é uma escolha da qual poderei colher resultados tanto benéficos quanto maléficos para a minha vida daqui para frente. Por isso, essa escolha se faz tão mais importante quanto as outras que já fiz.

Motivos tanto para ir quanto para ficar, eu tenho de sobra. Os motivos aqui são detalhes de uma enorme trama que o coração nos coloca. São tramas delicadas e engenhosas que, mal interpretadas, podem nos levar ao fracasso emocional por completo, trazendo-nos prejuízos imediatos — o principal e mais relevante é o nosso completo encarceramento pelo resto da vida em uma prisão emocional de profunda dor.

Os motivos, como disse, são simples. O que não é simples é saber qual fio devo cortar para desarmar a bomba sem que, com ela, eu também venha a me explodir. Por isso busco no silêncio o melhor entendimento.

Hoje faz uma semana que estou neste hotel. Já me sinto um pouco melhor, mas ainda posso sentir a energia de toda a briga repercutindo em meu corpo, por isso entendo que ainda não chegou o momento de me decidir.

No dia em que for me decidir, espero que só exista um único sentimento: o sentimento de total aceitação da minha parte, que tudo esteja sendo feito em profundo acordo e consentimento entre a minha emoção e a razão.
Em um tempo em que tudo precisa ser ágil, somos levados automaticamente a reproduzir esse hábito danoso em todas as áreas de nossas vidas — e no relacionamento não é diferente, sendo, por sua vez, a área mais atingida.

Podemos observar in loco o quão danoso isso se tornou em nossos dias. É uma verdadeira pandemia: pessoas desfilando aparentemente felizes, mas por dentro emocionalmente destruídas. Sendo levadas, mesmo sem sua autorização, a viver das regalias que o submundo do inconsciente doentio lhes oferece, como inveja, medo, ódio e vingança. Pessoas que, no final, vivem uma vida emocional em que só sabem cultivar desejos de que sua dor emocional se estenda a todos os seus conhecidos e desconhecidos; querem que seu fracasso emocional contundente seja a tônica de toda a sociedade. O ideal de sociedade dessas pessoas emocionalmente destruídas é que todos vivam para serem profundamente infelizes.

É exatamente por isso que busco no silêncio interior e no afastamento físico tudo o que envolve a minha decisão. O meu dever nesta busca é tentar entender qual é a origem do que culminou em toda essa briga. Eu preciso ter a clareza e a profundidade de cada elemento, e como esses elementos contribuíram e contribuem para que chegássemos onde estamos agora.

Sei exatamente o que você está pensando. Mesmo depois de tudo o que contei até esse momento, há em nós essa ânsia de querer resolver tudo rapidamente, como se a nossa vida não fosse importante, como se os nossos sentimentos e sonhos não fossem relevantes. Não! Não é assim que toco a minha vida. Se eu puder te dar um conselho: não toque a sua vida como se ela não fosse importante.

Faz um mês, e hoje me sinto melhor e bem distanciada dos fatos que me trouxeram até aqui. Os fatos que me foram revelados ao longo desses dias foram perturbadores. Primeiro, porque eu descobri que não sou vítima — pelo contrário, eu também sou algoz. Descobri que tanto eu quanto ele sentimos prazer em viver em uma relação tóxica, onde existem trocas de ofensas mútuas. Por isso, resolvi terminar com ele e buscar ajuda para me curar.

Carlos de Campos

Foto por cottonbro studio em Pexels.com

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    […] delirante modo de vida que me convida,Estar afogado em meus problemasImpede que eu veja o milagre do vislumbre das cores.Dos tempos que se passaram, constato que nada […]

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