No peito bate um vazio
Na manhã desta segunda-feira, sem que eu soubesse de nada, ele foi embora. E com ele, levou minha filha.
Em mais um ato canalha e covarde, ele ainda orquestrou o sequestro dela. Nada posso fazer além de chorar.
Sou alcoólatra. Estou desempregada. Passei a maior parte da minha vida morando entre uma calçada e outra.
Em que mundo eu ganharia a guarda da minha filha? É um jogo perdido. E agora? Que rumo devo tomar na vida?
O único fio que me segurava aqui acabou de se romper.
Vago pelas ruas na esperança de reencontrar minha filha.
Bêbada, ando meio quarteirão por dia. Quando paro, minha mente tenta me trazer de volta à lucidez.
É difícil para mim viver sóbria, porque, ao ficar sóbria, sou levada a verdades que me machucam demais.
A realidade é dura demais para mim.
Preciso me manter afastada dela — e, alcoolizada, é o melhor que posso fazer por mim mesma.
Nos meus poucos dias de sobriedade, martela no meu peito a dor de não ter conseguido ser mãe.
A culpa por ter me deixado levar pelo alcoolismo me consome.
Quem sou eu além de uma andarilha? A noite mal chegou e cá estou, completamente bêbada.
Há uma tristeza pairando no ar — bem mais poderosa do que em outras vezes.
Desta vez, até alcoolizada consigo senti-la.
Ela rasga o meu peito com um vazio descomunal.
E eu não tenho para onde correr.
Carlos de Campos
